sexta-feira, 20 de novembro de 2009

JORNAL Nº.1 "O ESTILHAÇO"



Capa do Jornal nº.1 desenhada pelo 1º.Cabo Escriturário Mendes - 1970






PALAVRAS DE ABERTURA

Vai nascer o ESTILHAÇO, o nosso JORNAL. Porquê ESTILHAÇO?

É hábito dizer-se que a arma de ARTILHARIA é o projéctil, a granada, e não o canhão. Nós, então, diremos que é o estilhaço o elemento fundamental de toda a estrutura artilheiro. Com efeito, se os canhões se calculam e se construem em obediência absoluta ao projéctil que devem disparar, os projécteis são tanto mais eficazes e agressivos quanto maior é a sua fragmentação em estilhaços. Daqui se infere a grande importância do estilhaço, dada embora a sua pequenez.

Mas porquê este introito, quando o que se pretende é dar satisfação ao pedido do Director e do Chefe de Redacção do ESTILHAÇO para que escrevamos umas palavras de abertura?

É fácil de responder, soldados do  nosso BATALHÃO. é que vós sois os nossos ESTILHAÇOS, aqueles que, em última análise, rápida, agressiva e contundente mente atacam  o inimigo ou reagem aos seus ataques. Sois pequenos e isoladamente pouco valeis, mas tendes atrás de vós toda uma estrutura capaz de vos congregar e orientar, tais como os estilhaços têm atrás de si o projéctil e o canhão, de modo a que sejais fortes, como acontece. Tudo isto, afinal, serve apenas para repetir que a "A UNIÃO FAZ A FORÇA" e que o espírito de equipa e de cooperação, ou, o que é o mesmo, O ESPÍRITO ARTILHEIRO deve sempre nortear as nossas actividades, de modo a evitarem-se, tanto quanto possível, acções individuais e descoordenadas, em consequência pouco eficazes e até perigosas.

É sabida a enorme importância da Imprensa no campo da informação e da cultura. O nosso ESTILHAÇO é tão pequenino que não tem quaisquer veleidades de ser um órgão informativo ou cultural, para além do ambiente restrito do nosso Batalhão. É modesto e concebido para "uso interno". Por isso mesmo retratará as nossas aspirações, os nossos cuidados, as nossa preocupações e as nossas alegrias. Será veículo, amiudadas vezes, de conselhos que repetem e repisem normas de segurança e outras determinações que nunca devem ser esquecidas. Terá características distractivas, narrando anedotas e factos pitorescos contados pelos próprios que os viveram, porque o nosso JORNAL não será só para "HERCULANOS". Queremos que seja um orgão vivo, pulsante, que seja o nosso "coração" e a nossa "cabeça". Mas que seja de todos, absolutamente de todos. Desejamos que até os "ELÍSIOS" e "MANÉIS", por mais "básicos" que sejam, para eles escrevam, encarregando-se a Redacção de limar as arestas de tais escritos ou narrativas, sem lhes quebrar a originalidade e a graça. Desejamos que todos vós possais dizer que contribuístes, efectivamente, para "O ESTILHAÇO" e que, mais tarde, em vossas casas, entre as "muitas" que vos "aconteceram", possais mostrar às visitas, "encaixilhado" e pendurado na parede, o ESTILHAÇO que prove que também fostes "JORNALISTAS". E desejamos que as nossas Companhias nos enviem tanta "colaboração" que tenhamos de diminuir o período das nossas "Tiragens".

A terminar, fazemos votos para que todos, neste Ano Novo de 1970, desfrutem das maiores felicidades e que continuem, como até aqui, a honrar o nome do NOSSO BATALHÃO que o mesmo é honrar o nome de PORTUGAL.

O COMANDANTE
José Francisco Soares
Ten.Cor.Artª.c/CEM

ORA DIGA-NOS...
A equipa de reportagem de ESTILHAÇO entrevistou vários militares sobre a sua vinda para Angola em comissão de serviço.

Em primeiro lugar contactamos com um 1º.Cabo que muito gentilmente nos respondeu  às seguintes perguntas:
- Amigo, é a primeira vez que está em África?
- Sim esta é realmente a minha primeira vinda ao continente negro.
- E qual foi a sua impressão ao chegar à capital Angolana?
- À primeira vista foi agradável, mas, passados uns dias francamente, começou a desagradar-me um pouco.
- Antes de vir para Bessa como imaginava o local onde nos encontramos?
- Bem, o pior possível, até porque o conceito desta localidade nos meios militares de Luanda, é bastante mau.
- E depois de cá ter chegado?
- A minha opinião anterior mudou bastante apesar de Bessa não ser nenhum paraíso.
- Agora diga-me, do que é que mais gosta cá em Bessa?
- Uma só coisa eu aprecio: a camaradagem, que realmente é muito boa.
- E agora para finalizar o que mais lhe desagrada?
- Bem, se não se importa prefiro não responder.
Em seguida ao dobrarmos uma esquina quase esbarrávamos com um Furriel bastante simpático que, mal lhe propusemos uma entrevistazinha, no seu tom jovial nos respondeu:
- É para já....
Começamos por perguntar-lhe:
- Já alguma vez esteve em Angola?
Sempre com um sorriso aberto, disse-nos:
- Nunca cá vim e espero que esta seja a última vez.
- Quando chegou a Luanda como, ou melhor, qual a sua opinião acerca da cidade?
- Sou sincero ao dizer-lhe que fiquei bastante decepcionado, pois sempre a imaginei uma cidade linda , e a meu ver, beleza, não tem nenhuma. É uma cidade suja, com uma urbanização deficientíssima, enfim, não gosto dela.
- Não querendo pôr termo de comparação, o que pensava de Bessa antes de para cá vir?
- Por aquilo que ouvi em Luanda, sempre julguei que isto por cá fosse um Inferno.
- Quando cá chegou essa impressão manteve-se?
- Nem pensar nisso. Apesar de não ser uma "cidade" formosa, fiquei bastante contente porque pelo menos aquilo que me diziam em Luanda e o mesmo que eu imaginava, é totalmente diferente.
- ora digo-me, cá em Bessa de que gosta mais?
- Além da harmonia em que vivo com os meus camaradas, aprecio estar depois do jantar a ver um filme bom, o que infelizmente é raro.
Não lhe quero tomar mais tempo, mas diga-me só para acabar.
- Há alguma coisa que lhe desagrada?

- Pronto meu caro amigo, obrigado pelas suas palavras.
- Bebe alguma coisa comigo na Cantina?
- Eu como estava com um pouco de calor não me fiz rogado, fiz uma pequena pausa e, lá fui com ele.
Já recomposto do calor, cá retomei de novo as minhas entrevistas, e desta vez foi conciso nas suas respostas.
- Oiça, foi esta a primeira vez que veio a África?
- Sim, nunca cá tinha vindo antes.
- Quando chegou a Luanda gostou da cidade?
- Gostei. Achei-a uma cidade bonita.
- Antes de vir para Bessa fazia alguma ideia de como isto era?
- Não. Mas ao mesmo tempo estava em crer que fosse melhor de que na verdade é.
- Quer dizer então que quando cá chegou ficou decepcionado?
- Sim, isso é verdade.
Apesar da sua decepção, vê alguma coisa que lhe seja agradável?
- Gosto de ver um bom jogo de futebol ao Domingos, para não falar de outras coisas.
- Só mais uma pergunta, pois não quero fazê-lo perder mais tempo.
-  Há muita coisa que lhe desagrada?
- Haver há. Mas, onde é que não há?
E assim findei mais uma entrevista. Para terminar, chegou a vez de outro lº.Cabo que foi muito solicito quando lhe pedi para me responder a um pequeno questionário.
- Para começar , gostava que nos dissesse se alguma vez esteve em Angola?
- Não, esta é a primeira vez.
- Quando desembarcou em Luanda qual a sua impressão da cidade?
- Fiquei encantado com a capital Angolana.
- E manteve essa impressão durante os dias que lá esteve?
- Sim.
- Quando vinha para Bessa, imaginava o que isto era?
- Imaginava que fosse melhor.
- Quando cá chegou ficou triste ao ver o local onde teria que viver largos meses?
- Infelizmente assim foi.
- Apesar de tudo há alguma coisa que o seduza?
- Precisaria de mais tempo para lhe poder responder.
- Muito bem. Fugindo um pouco ao esquema de perguntas que até agora lhe fiz, gostaria que me respondesse a mais duas. Pode ser?
- Com certeza.
- Olhe, já pensou alguma vez na hipótese de se estabelecer em Angola no final da sua comissão?
- É com muito prazer que lhe respondo a esta pergunta. Não só pensei, mas estou decidido. Tenho várias propostas de trabalho, tenho várias pessoas de família em cidades Angolanas e o meu único problema é escolher.
- Parabéns pela sua iniciativa digna de louvar. E já agora para finalizar, apenas gostaria de saber a sua opinião sobre a guerra em que estamos envolvidos?
- Pessoalmente posso dizer-lhe que estou convencido que defendemos uma causa justa, defendemos um património que tem largos séculos e que portanto não pode ser abandonado ao capricho de ganâncias estrangeiras. Antes de cá chegar pensava, como muitos, que Angola fosse o estrangeiro, onde nós não tínhamos nada que nos meter. Mas não, a minha opinião mudou completamente. A presença portuguesa, nota-se em qualquer canto de Angola  e só imensidão das suas riquezas é que nos faz compreender a amabilidade de alguns estrangeiros em relação ao terrorismo.
- Por isso, uma vez mais, repito, estou convencido que defendemos uma causa justa.
A nossa entrevista tinha acabado.
"O Estilhaço" que nos convidou a fazê-la, aqui lhes deixa o que pensam alguns militares do B. Artilharia nº.2883 estacionados em Bessa Monteiro sobre os assuntos que lhes propusemos.
Desejamos os maiores triunfos a "O Estilhaço" para que continue a ser o porta voz dos seus leitores.

Autor: Furriel Foto-cine Fernando Pimenta
Jornal nº.1 do "O Estilhaço" - 1970
             
Nota da redacção          
O estilhaço quer agradecer ao nosso Foto-cine, Furriel Pimenta, a colaboração que lhe deu e os triunfos que lhe deseja. Pimenta terminou no dia 4 de Janeiro o seu tempo de comissão.
Por meio do nosso Jornal, todos os militares do Batalhão de Artilharia nº.2883 que gozaram durante estes 5 meses da sua camaradagem, simpatia e amizade, vem desejar-lhe um feliz regresso e muitas felicidades na vida civil.
QUEM ERA BESSA MONTEIRO
"Estilhaço" referia-se com orgulho a Bessa Monteiro, uma localidade onde tivera o seu aquartelamento no ano de 1969 e 1970. Porém não era muito preciso quando lhe perguntavam quem era Bessa Monteiro.
Não o ignorava, mas a nossa curiosidade ficava muito para além daquilo que ele nos contava.
Invariavelmente respondia-nos:"Bessa Monteiro era um grande homem. Era Tenente do exército português, natural de Vila Real de Trás-os-Montes e, tal como eu, andou por essas regiões, talvés até em tempos mais difíceis, quando não havia aviões nem automóveis, nem, as colunas de reabastecimento lhe faziam chegar os frescos com regularidade de um relógio, nem a medicina tinha ainda remédios para todos os males que nos podem levar desta para melhor.
Assim o seu nome continua em todas as bocas, mesmo daqueles que o mataram e de outros que deles herdaram o ódio a Portugal."
E depois eram sempre as mesmas perguntas, e as mesmas respostas vagas de quem pouco sabe do assunto:
-Quando foi isso?
-Bem, ao certo não sei. Julgo que lá pelos anos vinte.
-E quantos homens tinha ele?
-Julgo que uns vinte. Era um pelotão. Mas brancos seriam mais dois ou três. O resto era tropas de Angola.
-E que idade tinha?
-Não sei . Naquele tempo os tenentes eram muito mais velhos que no meu tempo. Devia rondar pelos cinquenta.
-E que fizeram os assassinos?
-Que haviam de fazer?. Fugirem. Quando eu passei por lá dizia-se que o assassino de Bessa Monteiro, viria mais tarde a morrer em Bessa, em 1966.
-E como era a fortaleza?
-Não sei. Não era de pedra. Julgo que era de tijolo. Hoje só se vêm uns tijolos em ruínas, no local onde dizem ter sido o forte.
E tanta meu Deus, tanta pergunta!..
Até as raparigas, como se se tratasse de um ídolo da canção ou do cinema, lhe perguntavam: " E era casado? E era bonito? Loiro ou moreno? Alto ou baixo? E havia mulheres no forte?"
Pobre "Estilhaço"! Sabia tão pouco para quem tem de descrever um herói... Mas ele não se calava. Lá ia respondendo como podia . E que importava que nem sempre falasse verdade? O herói ficava dentro de nós, tocava nos nossos corações, fazia parte do nosso orgulho por sermos portugueses.
Bessa Monteiro tinha agora um significado para nós, como Silva Porto, Sá da Bandeira, Paiva Couceiro, Artur Paiva e tantas outras terra ligadas aos nossos combatentes.
Era um homem é certo , o melhor do grupo, mas nesse homem nós sentíamos a força de um pequeno forte, mantida e prolongada por outros homens, de que "Estilhaço" era uma molécula, e no qual, cedo ou tarde, os miúdos que então o escutávamos nos havíamos de incluir com orgulho, o mesmo orgulho com que nas guerra, a brincar, todos queríamos ser o Bessa Monteiro e o "Estilhaço".
Publicado Jornal nº.1-1970 do Batalhão
Autor,
Cardoso de Almeida
Major de Artilharia

VAI-TE CARTA

Vai-te carta, vai-te carta
Nas folhas de alecrim,
Vai dizer ao meu amor
Que não se esqueças de mim

Adeus, meu amor, adeus
Até quando Deus quiser
E vê lá nunca te esqueças
Deste que tanto te quer.

Vai-te carta, vai-te carta
Que o correio vai partir
Quem me dera a mim estar
Ao pé daquela que a abrir

E ao fechar esta carta
Fechei o meu coração.
E encerrei tantas saudades
Quantas letras aí vão.

Publicado no jornal nº.1-1970 do Batalhão
Autor,
Darlindo Augusto Pinheiro Duarte
Soldado Sapador

IN MEMORIAM
MORTES DE AMÉRICO RIBEIRO SEQUEIRA E ALBINO SIMÃO 
Simão e Sequeira deixaram-nos para sempre. Eram fortes, robustos. A vida parecia sorrir-lhes uma longevidade, capaz de fazer inveja aos nossos avós. Mas foram apanhados de surpresa. Só assim poderiam ser vencidos.
Deixaram-nos para sempre, sem sequer terem possibilidade de sacrificar os seus 21 anos por algo que o merecesse. Morte inglória, cruel e inútil...anos nossos olhos. Morte tirana e caprichosa que nos deixou petrificados, incapazes de pensar.
A nossa homenagem a Sequeira  e Simão, cuja memória anda connosco. As lágrimas podem secar, mas a lembrança não morre. E com a memória permanece a nossa esperança, aquela esperança que nos vem da Fé."...Fazei-os Senhor passar da morte àquela vida que outrora prometeste a Abraão e à sua posteridade para sempre."
Autor Alferes António Pinheiro - Cart.2560
Publicado no Jornal nº.1

MORTE DE ALFREDO DA SILVA TAVARES/CART.2559
É com tristeza que escrevemos mais esta linha em homenagem aos nossos mortos.
Também o nosso Furriel TAVARES, acabamos de saber, nos deixou para sempre, sucumbindo a uma operação cirúrgica. Paz à sua alma.

O OUTRO
No dia 4 de Agosto passado, entra-te no Vera Cruz. Quando o barco  partiu, -ainda te lembras?- ficaste muito tempo a acenar para terra com o coração partido por um misto de saudade e receio, de algo que nem tu sabes explicar. A teu lado estava "OUTRO" que se esforçava por esconder as lágrimas e que sentia o mesmo que tu. Mas tu não reparaste nele.

No dia 20 estavas no teu destino - isolado com os teus camaradas, a tua  companhia. Uma terra toda ela mistério, florestas imensas e sombrias, túneis de capim nas picadas, tudo isto, junto com as muitas histórias que ouviste contar, a lembrança  dos teus, o isolamento total, fizeram com que passasses uns maus bocados. E foram na verdade maus esses bocados. Mas não reparaste que o "outro" que reprimia as lágrimas no barco a teu lado, sofria mais que tu. Andava triste, bastante isolado. Sofria mais que tu e tu não notaste. 

Os primeiros dias que passaram, foste recebendo notícias dos teus e passaste a dizer-lhes que estavas satisfeito. Não era verdade, mas em parte, não há dúvida que começaste a sentir-te mais à vontade. As cartas que o "outro" recebia não eram tão animadoras como as tuas. E a tristeza que nele se ia acumulando, guardava-a  só para si. Sofria calado e tu não davas por isso. Não o conhecias. Até que um dia tiveste um mau encontro com ele. Desta vez sim, deste pela sua presença. Já nem te lembras como o trataste, mas o que é certo os teus insultos não lhe trouxeram nenhuma consolação. E logo a seguir voltaste a desconhecê-lo. O "outro" sofreu mais um golpe, como se não lhe bastasse o que já tinha. Quando esperava alguém que o ajudasse a levantar-se encontrou antes quem o ajudasse a afundar-se mais.

Mas não é ainda tudo. Há dias respondeu mal a um superior e foi, é claro, merecidamente castigado. Merecidamente? Sim, merecidamente, mas talvez tu sejas mais culpado do que ele. Culpado tu porque tinhas obrigação de o conhecer e não o conheces, melhor, ignora-lo.

E agora que eu te contei tudo isto, até estás com certa curiosidade por saber de quem se trata, como se chama esse "outro". Mas não te direi o seu nome. Até porque ele não se dá só por um nome. Tem muitos nomes. É o "outro". Mas não penses que é inventado. Não é. É real, de carne e osso como tu. Dorme ao teu lado, come ao teu lado, forma ao teu lado, alinha ao teu lado na picada. Talvez ele seja o mau e tu o bom. Pobre bondade a tua se desconheces o teu irmão.... Só te peço que te esforces por descobri-lo. Ele continua na mesma, continua a precisar de ti. Está  à espera que lhe deites a mão. É um camarada teu, um teu irmão.


Publicado no Jornal nº.1/1970 do Batalhão

Autor,
António Morais
Capelão

RECORDANDO GOA...
Uma vez mais

"Quem viu Goa, escusa de ver Lisboa". Eis um adágio popular que define claramente o nível da cultura  e civilização goese, o que é na realidade, a Roma do Oriente...

A União Indiana cobiçou-a sempre, mesmo muito antes da sua independência, e não podia permanecer inactiva enquanto não a possuísse.

O Governo de Nehrú, fortemente influenciado por Krishna Menon, vendo frustrados todos os esforços, tenta invadi-la infringindo normas basilares do Direito Internacional...

A invasão aproxima-se. Reina a tristeza nos rostos do povo  goês, fiel a Portugal sua Pátria querida. As lágrimas não tardarão muito tempo a correr. Tudo está pronto. O General Kandet aguarda a palavra final e decisiva do primeiro ministro indiano : - em frente - , para marchar sobre Goa, com o seu exército de 45.000 homens ,, auxiliado pela força aérea e armada...

É dia 18 de Dezembro. Dia triste mas  inesquecível. É dia de luto para o povo goês e para todo o povo português. O Comandante da Vijhaya Operativo "ouve a palavra em frente" saída da boca de Nehrú e o seu exército marcha imediatamente, sobre o Estado Português da Índia, esmagando o seu povo sem dó nem piedade... Sim, Goa tombou, mas com honra e dignidade. Portugal perdeu a parcela mais bela do seu património. Sem ela a sua história será incompleta.

Passaram oito anos sobre a invasão do Estado Português da Índia, mas a sua fama e celebridade não caiu no olvido. Pelo contrário é cada vez mais recordado com saudades, saudades sem fim.

E precisamente para recordar uma vez mais, vamos dizer algo sobre Goa, pequena na sua extensão territorial, mas grande e rica na sua civilização e mas suas tradições.

Acorre-me, neste momento à memória, por causa da quadra festiva que acabamos de atravessar o modo típico como o goês celebra o Natal na sua terra. Vou tentar apenas dar uma ideia, bastante genérica sobre essa festa tão apreciada em Goa.

"Onde está o Deus dos judeus que acaba de nascer? Vimos a sua estrela no Oriente e vimos adorá-lo" - perguntaram ao rei Herodes os sábios do Oriente.

O povo Goês recorda bem este acontecimento, simbolizado pela estrela, feita de bambu e criada com papel de seda de cores variadíssimas. É difil encontrar uma casa que não esteja iluminada com a estrela, hasteada em frente da casa desde a noite de 24 de Dezembro até à festa dos Reis Magos.

Não é por aqui que ficam os preparativos da festa. O Goês vai mais além procurando simbolizar a própria realidade do nascimento de Deus Salvador por meio do presépio. A imaginação fecunda sobretudo das crianças, dá origem à variedade, no meio da grande quantidade de presépio, feitos com arte, beleza e graciosidade.

E que dizer sobre a árvore de Natal tão falada no Ocidente? Será desconhecida no Oriente? Não em Goa. Também ela tem a sua "árvore" igual ou melhor do que se costuma ver na Europa.

Todos esses preparativos findam impreterívelmente na véspera de Natal, pois a festa para o Goês começa com as MATINAS que têm início às 22 ou 23 horas conforme as Igrejas.

Vestidos de trajes novos e belos e tendo na mão a estrela - a que já nos referimos atrás - todos, tanto os jovens como os velhos, tanto as crianças como as mulheres, dirigem-se à igreja ao menos para participar na missa da meia-noite. Aqueles a quem não foi possível tomar parte activa na festa religiosa, ao ouvir as badaladas do "Glória in excelsis deo" dão largas à sua alegria queimando "foguetes" sem cessar.

Finda a cerimónia religiosa, não acaba a festa. É agora que vai principiar a segunda parte. E principia com "Serenatas" - termo  que não pode ser entendido no seu sentido corrente. Em Goa, a serenata consiste num grupo formado por rapazes e raparigas e ainda crianças tocando e cantando, ao som das guitarras e tambores, canções principalmente da quadra festiva, pelas ruas das cidades e aldeias. É de frisar também que o "grupo" não perde a oportunidade de visitar, pelo menos as casas dos seus componentes, antes do alvorecer - altura em que terminam as serenatas.

Muitos se admirarão por não meter referido ainda à ceia familiar. Essa, sem dúvida, existe também, mas a reunião, pròpriamente dita, da família em volta da mesa tem lugar geralmente ao meio-dia do dia 25 - dia de Natal.

A alegria de que o Goês se apossou, pelo nascimento de Deus-Menino, não acaba com o dia da festa. Perdura pelos dias fora até ao dia da festa dos Reis Magos - dia em que a estrela, colocada na parte principal da casa a simbolizar aquela que conduziu a Belém os sábios do Oriente, vai desaparecer, para reaparecer no próximo Natal.

Públicado "Jornal Estilhaço" Nº. 1-1970
Autor Lourenço Barreto
Alferes Miliciano/Cart. 2561

A PAZ
Peço a paz
e o silêncio

A paz dos frutos
e a música
de suas sementes
abertas ao vento

Peço a paz
e meus pulsos traçam na chuva
um rosto e um pão

Peço a paz
silenciosamente
a paz a madrugada a paz
em cada ovo aberto
aos passos leves da morte

A paz peço
a paz apenas
um sabor a estrelas nos calos das mãos
uma língua sensível à relva do vinho
a paz clara
a paz quotidiana
dos gestos que nos cobrem
de lama e sol

Peço a paz
e o silêncio

Publicado Jornal nº.1-1970 do Batalhão
Autor,
Desconhecido





  
Contracapa do Jornal nº.1 - 1970


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